Vigilância dos esgotos detetou variantes com quatro semanas de antecedência

O projeto de investigação “COVIDETECT”, coordenado pela empresa Águas de Portugal (AdP), recolheu, ao longo dos últimos 12 meses, amostras de cinco Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e hospitais e permitiu perceber que o vírus chega mais cedo aos centros de tratamento de águas residuais do que é detetado pelas análises clínicas aos humanos. Os resultados foram apresentados esta quarta-feira.

Entre abril de 2020 e janeiro de 2021 foram identificadas 2317 variantes de covid-19 em Portugal nas amostras recolhidas. Só em janeiro de 2021 foram identificados 1082 genomas. Foram detetadas variantes da Califórnia e da Nigéria.

A sequenciação e reconstrução genómica permitiu identificar um “desfasamento temporal na deteção de mutações de interesse clínico nas amostras de águas residuais e nas amostras clínicas”, revela a apresentação. Em média, a investigação identificou, com dois dias a quatro semanas de antecedência, diferentes variantes do vírus. Certos genomas foram identificados com mais de dois meses de antecedência.

O consórcio “COVIDETECT” faz parte de um projeto europeu que envolve 90 ETAR de 17 países e que pretende ser continuado na Europa.

Vigiar esgotos de 70% dos europeus

“O conhecimento e experiência gerados nestes 12 meses foram partilhados com a Comissão Europeia, tendo contribuído, em paralelo com outros países ativos neste domínio, para definir os moldes da Recomendação nº 2021/472 de 17 de março que preconiza a implementação de um sistema de monitorização de SARS-CoV-2 em cerca de 70% da população europeia baseado nas águas residuais”, disse Mónica Vieira Cunha, professora do Departamento de Biologia Vegetal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Com a investigação “ficou demonstrada a viabilidade da vigilância precoce da evolução da pandemia através da monitorização das águas residuais”.

A investigação decorreu de evidências de excreções fecais e concluiu que a carga viral presente nas águas não tinha capacidade de infetar células humanas. Permitiu ainda identificar uma correlação entre a carga viral e a quantidade de população afetada.

Nuno Brôco, vice-presidente da AdP Valor, considera a investigação uma importante “ferramenta para as autoridades de saúde fazerem o seu papel”. Através da deteção, quantificação, modelação e caracterização genómica em águas residuais urbanas, o projeto ambiciona criar um sistema de alerta precoce para a disseminação do vírus na comunidade, que permita alertar as autoridades antes das variantes se disseminarem para que possam adotar as devidas medidas de contenção. A investigação manteve um grande foco na deteção de variantes, algo que Nuno Brôco considera “visionário” devido ao importante papel das mutações no combate à pandemia.

Os próximos passos do projeto consistem no desenvolvimento de sistemas de divulgação de resultados em tempo real.

O projeto arrancou em abril de 2020 e analisou águas residuais de cinco ETAR”s que representam 20% da população portuguesa: Serzedelo, em Guimarães; Gaia Litoral, em Vila Nova de Gaia; Alcântara, que recebe águas da Amadora, Oeiras, Lisboa; Beirolas, que trata efluentes de Lisboa e Loures; e Guia, que trata águas de Sintra, Cascais e Oeiras. Ao mesmo tempo, foram recolhidas amostras de três hospitais: Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães; Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia; Hospital Curry Cabral, em Lisboa. Nestes três hospitais principais foram recolhidas um total de 760 amostras entre 27 de abril e 2 de dezembro de 2020.

O projeto foi desenvolvido por um consórcio, do qual faz parte a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, a Águas do Tejo Atlântico, a Águas do Norte e a SIMDOURO, a EPAL, a Águas do Douro e Paiva, a APA (Agência Portuguesa para o Ambiente) e a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos).

Os resultados foram apresentados esta quarta-feira na presença de João Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática, Marta Temido, ministra da Saúde e Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente.

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