Só com uma taxa de incidência inferior a 480 novos casos por 100 mil habitantes, em 14 dias, é que se deverá iniciar o processo de desconfinamento. A medida foi proposta, esta quarta-feira, na Assembleia da República por Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos, que defendeu uma reabertura faseada e diferente entre regiões, consoante a evolução da pandemia.
O responsável, um dos peritos ouvidos pela Comissão Eventual de Acompanhamento às Medidas de Resposta à Pandemia, apelou ao aumento dos rastreios e da testagem, bem como o seu alargamento aos contactos de risco, “na procura ativa do doente assintomático”, e desta forma quebrar cadeias de transmissão da infeção. Para isso, considerou necessário que as equipas responsáveis pelos rastreios epidemiológicos o possam fazer rapidamente.
Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, revelou, por seu lado, que a taxa de transmissão (Rt) era esta quarta-feira de 0,67 (inferior a 1) e que as medidas restritivas, aplicadas a 15 de janeiro, se traduziram logo “numa redução da incidência”. Porém, prosseguiu, as de 21 de janeiro (que contemplaram o fecho das escolas) levaram a uma diminuição “muito mais acentuada” dos novos casos.
Para o investigador, “é muito difícil” conseguir isolar o efeito direto da suspensão das aulas na redução de contágios, mas destacou o seu “grande efeito indireto”: “grande parte da população necessitou de confinar porque as crianças estão em casa”.
Governo não falou claro
Antes, os deputados ouviram Fernando Maltez, diretor do serviço de infeciologia do Hospital Egas Moniz, em Lisboa. O médico sublinhou que não houve nenhum “obstáculo da tutela” para contratar mais recursos humanos. O problema foi encontrá-los para contratar. Segundo o médico existem apenas 400 infeciologistas no país.
O especialista considerou que o “encerramento das escolas nunca deveria ter sido desfasado das restantes medidas” de confinamento. Fernando Maltez disse ainda que nem sempre o discurso do Governo foi claro e que os cidadãos ficavam com dúvidas sobre a eficácia das medidas.
António Sarmento, diretor do Serviço de Infeciologia do Hospital de S. João, no Porto, frisou que o país tem capacidade para tratar os doentes com covid-19. “Não precisamos de transferir doentes para o estrangeiro”, sublinhou.
O médico lamentou a reabertura das fronteiras em julho que, no seu entender, deveria ter sido adiada. Por três grandes motivos: a maior comunidade estrangeira em Portugal é brasileira; o país de e para onde os portugueses emigram mais, atualmente é o Reino Unido; e “estamos colados à Espanha”. Três países com taxas de infeção elevadas.
A comissão ouviu também Francisco George, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, que defendeu a adaptação do Serviço Nacional de Saúde “aos tempos modernos”, sustentável e que “funcione para todos”.
O antigo diretor-geral da Saúde lamentou que os deputados não tenham alterado a Constituição para permitir a obrigatoriedade do tratamento das doenças infecciosas. “Depois do estado de emergência, um doente de covid-19 pode sair do hospital e entrar no metro ainda em fase contagiosa”, acrescentou.