Há meio século que se assinala este dia que comemora a primeira Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo em junho de 1972.
Foram 51 dias, em 51 anos, a falar e apelar para a defesa do meio ambiente, a par de
milhares e milhares de outras iniciativas de sensibilização e educação ambiental por
todo o mundo, todos os dias deste meio século.
De pouco adiantou! Hoje a natureza e o ambiente estão piores que em 1972!
A crise ambiental e, agora, a crise climática, alastrou a todo o mundo e se uns tem
calor a mais, a outros falta a água e, outros ainda, têm excesso da mesma com
perigosas inundações e derrocadas. Quanto à natureza, nem se fala; a biodiversidade decaiu assustadoramente nestes 50 anos, e não é o facto de se terem registado resultados pontuais na conservação de algumas espécies-bandeira (lince-ibérico, cabra-brava, abutres, etc.) que nos alegram.
Segundo o relatório “ Living Planet Report ”, publicado em 2018, pela WWF,
organização não-governamental ambientalista, e pela Sociedade Zoológica de
Londres, entre 1974 e 2014 a biodiversidade caiu 60%, ou dito de outra maneira,
desde 1970 até 2014, mais de metade das espécies de animais desapareceram da
Terra
Segundo o mesmo relatório, as taxas de extensão atuais são entre 100 e 1000 vezes
superiores às taxas de extensão existentes anteriormente, antes do Homem se tornar
um “fator extraordinário de pressão” (Fonte: Marta Gonçalves, Lusa, Jornal Expresso,
30/10 /2018).
Peter Raven, ex-professor da Universidade de Stanford e presidente emérito do
Jardim Botânico do Missouri (EUA), escreveu no prefácio do Atlas of Population and
Environment: " Impulsionamos a taxa de extinção biológica, a perda permanente de
espécies, até centenas de vezes acima dos níveis históricos, e há a ameaça de perda
da maioria de todas as espécies no fim do século XXI ”.
Passamos meio século a degradar, sem contar com o que já vinha de trás, de antes
de, em 1972, se tomar “oficialmente” consciência da crise ambiental; agora, em 2024,
o Dia Mundial do Ambiente tem como temas contrariar os efeitos da manipulação e,
nomeadamente, “ acelerar o restauro da terra, a resiliência à seca e à desertificação ”
e o rótulo “ Nós somos a geração do restauro ”; significativo! Já não é conservar, já é
restaurar o que se degradou!
De resto, já está a decorrer, desde 2021 e até 2030, a Década das Nações Unidas
para o Restauro dos Ecossistemas, uma iniciativa global para prevenir, dissuadir e
reverter a manipulação dos ecossistemas em todo o mundo, uma década que deveria
envergonhar a nossa espécie.
Portugal também não tem sido um exemplo nesta matéria a ponto de, em Maio, a
Comissão Europeia ter iniciado um processo de infração a Portugal por falhas na
proteção da biodiversidade, nomeadamente não respeitando a Diretiva Habitats
(Diretiva 92/43/CEE) e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Mas se estes 50 anos de Dia Mundial do Ambiente não tiveram grandes resultados em
termos de conservação da Terra, foram habilmente aproveitados pelas empresas para
vender e produzir mais, e pelos governos para serem laxistas, exatamente o contrário
do desejado.
Desenvolveram com grande maestria e enormes investimentos o “greenwashing” (do
inglês green, verde, e whitewash, branquear ou encobrir), que se define como “…a
injustificada apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações
(empresas, governos, etc.) ou pessoas, mediante o uso de técnicas de marketing e
relações públicas. Tal prática tem como objetivo criar uma imagem positiva, diante a
opinião pública, acerca do grau de responsabilidade ambiental dessas organizações
ou pessoas (bem como de suas atividades e seus produtos), ocultando ou desviando a
atenção de impactos ambientais negativos por elas gerados.”
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Greenwashing)
É assim que uma empresa com grande impacto sobre a Terra escreve “Plenamente
alinhado com esse objetivo (Década das Nações Unidas do Restauro dos
Ecossistemas) o Grupo XXXX trabalha para ajudar a preservar ecossistemas
saudáveis nas regiões onde desenvolve sua atividade. O compromisso da XXXX com
a proteção e conservação das áreas naturais é desenvolvido de acordo com os
princípios estabelecidos na sua primeira política de biodiversidade, criada em 2007 e
renovada em 2024, e baseia-se em anos de trabalho para integrar a consideração da
biodiversidade na gestão e tomada de decisões do grupo.”
E uma papeleira escreve “A conservação da biodiversidade é encarada pela XXXX
como a chave para uma produção ambientalmente responsável e uma gestão florestal
sustentável.” e “os objetivos de produção e a conservação da biodiversidade não são
valores antagónicos. Pelo contrário, as florestas plantadas podem promover a
diversidade biológica, desde que seja seguida uma gestão responsável.”
São afirmações claramente empoladas e sem base. É evidente que a indústria papeleira não faz falta pois, o papel, é um artigo insubstituível e de uso quotidiano por todos. Também é verdade que o seu processo industrial, quer antes, quer depois da introdução da celulose (meados do séc. XIX), é altamente poluente.
E desde que se recorreu ao eucalipto como matéria prima para a produção de
celulose, e se apostou em grandes plantações monoespecíficas desta árvore, que o
território (e referimo-nos especialmente a Portugal) foi profundamente alterado, com
prejuízo para a paisagem, a biodiversidade e o bem-estar das situações.
Portanto, seria preferível que a indústria papeleira, em vez de cultivar o
“greenwashing” e suposta investigação em áreas como a biodiversidade e outras
(que pode deixar para a Academia) apostasse na investigação dos processos
industriais e florestais, de modo a torná-los menos prejudiciais para o ambiente.
Seria melhor que as celuloses registassem o impacto negativo no ambiente de sua
atividade, da mesma forma que os ambientalistas sensatos registam o trabalho
positivo na produção e melhoria do papel, cujo uso, mesmo com o desenvolvimento da
informática, não parou de crescer nos últimos anos.
Não vale a pena mistificar as coisas com “lavagens verdes”; o correto é encarar as
realidades de frente e, quando são geradores de problemas ambientais ou sociais, procurar diminuir o seu impacto não privando, no entanto, a população do seu usufruto.
Mas que essas alternativas não sejam como os painéis solares e as eólicas, para a
energia que, se bem que emitam menos CO2, dão cabo dos solos e da paisagem!
por Nuno Gomes Oliveira – Presidente da Direção da FAPAS