O Europeu – Ponto por Ponto, artº de opinião de Pedro Bártolo

1 – À terceira presença em Sarajevo, a “sorte” sorriu à seleção. Medalha de prata no ECMC 2023 e consequente subida à divisão B asseguradas. Em 2024, Portugal vai participar pela quarta vez no Europeu da divisão B, desde que existem 3 divisões europeias. Este não é um feito menor, ou não estivéssemos diante da modalidade Paralímpica colectiva mais profissionalizada do mundo e a mais popular. Não somos tão prenhes em parangonas, porque esta é uma conquista cuja compreensão só está ao alcance de quem conhece os meandros e a competitividade do BCR na cena global. Mas, asseguro-vos, tem lugar cativo no topo das minhas melhores memórias.

2 – A desfaçatez dos “principais” OCS não tem narração possível. Somos culturalmente menores, reféns de uma vivência desportiva fanfarrona, conflituosa e bairrista, e não há que dourar a pílula. Temo por alguns dos principais diários desportivos, que praticamente ficaram sem tinteiros para noticiarem as nossas vitórias. Felizmente, não viram o risco transitar para a realidade, porque pouparam-se a imprimir imagens a acompanhar as duas linhas misericordiosas que nos dedicaram. Não precisamos disto. Entre isto e nada, escolherei sempre nada. Se não cai aquele press da Lusa, é uma chatice ter que andar à procura e fazer trabalho jornalístico. Apesar de abominar a prática de “favor” e de pedir para que o desporto Paralímpico chegue à imprensa, louvo a disponibilidade dos que estão sempre dispostos a ouvir-me e a lutar nas redações para que o sol nasça para todos. Sob pena de parecer o antigo presidente do Sporting, Dias da Cunha, vocês sabem do que estou a falar. O meu obrigado.

3 – Foi enternecedor ver tanto entusiasmo inteiramente espontâneo e nada interesseiro de algumas páginas na campanha da seleção nacional. Stories partilhados e apagados prontamente, auto-felácios cuidadosamente esculpidos para se projectar a imagem de bons samaritanos, tamanhos poços de virtude que “até” dão tempo de antena aos “aleijadinhos”. Tenho uma novidade: também não preciso disto. Sou, fui e serei mais atleta do que alguma destas almas poderá um dia imaginar, carrego nos ombros um percurso com 7 anos no BCR internacional, 5 dos quais em 2 das melhores ligas do mundo e, já não o sendo, continuo a treinar e cuidar-me como um profissional; cumpri o meu 6º Europeu, sou co-fundador da equipa pela qual me sagrei bicampeão nacional; e jamais me hei de vergar a este tratamento de segunda disfarçado de reconhecimento. Exceção feita a esta corja, agora com total sinceridade e comoção, foi maravilhoso ver o impacto da nossa prestação, com partilhas e comentários encorajadores de vários grandes jogadores e jogadoras (e não só) da nossa praça, de outros anónimos, vídeos a correrem as redes, de tal forma que um dos reels mais vistos de sempre da FPB já é a celebração após a passagem à final, cristalizada naquele abraço do Ibrahim Mandjam, num pranto, ao nosso selecionador Óscar Trigo.

4 – Tudo isto é muito bonito e bastante inútil se não se lhe der continuidade. As equipas e os jogadores de BCR precisam de mais apoio, a captação de atletas clama por um olhar sério e uma política estruturada e, se a seleção nacional pretender reeditar este brilharete na B, tem que se bater na preparação com outras seleções, de um nível superior, que a desafie e potencie. Os milagres só acontecem uma vez ou muito de vez em quando. E o que fizemos em Sarajevo, contra uma Bulgária que conta com 3 jogadores na liga profissional italiana e que realizou uma série de amigáveis contra equipas da 1ª divisão turca, outra das ligas de topo, entra seguramente no universo do improvável. Quanta à Chéquia, que nos dominou na final, na antecâmara deste Europeu, jogou tão somente contra a seleção polaca (divisão A) e Lituânia (4ª da divisão B ).

5 – À IWBF, exige-se mais. Na comunicação, na divulgação, na promoção do BCR como espectáculo. A parca cobertura nas redes, a falta de cliques fotográficos de qualidade, a ausência dos hinos antes dos jogos, um pavilhão sem bancada (felizmente, isso não demoveu o meu tio e companhia de nos darem uma força extra in loco tão especial), não dignificam a divisão C, nem a modalidade. Hoje, com um IPhone e boa vontade fazem-se coisas extremamente profissionais. E a minha Joana comprovou-o no Portugal BCR, com uma cadência de posts e informação pertinente, que desembocaram num interesse galopante da comunidade.

6 – A nossa recepção no aeroporto Humberto Delgado quase parecia uma peregrinação a Meca. Temi pela possibilidade de esmagamento daquelas 10 pessoas. Era domingo e hora da sesta. Compreende-se. (Aos valentes que lá foram, um obrigado do fundo do coração).

7 – Ubuntu, “Carlos Peixoto la la la la”, a sina dos panados, há muitos ecos desta participação em Sarajevo, em que o grupo mais unido e focado que testemunhei em 14 anos de seleção soube agigantar-se e selar a tão desejada subida à divisão B. Naquele 3002, espero, ficou dito o essencial para que o futuro seja em escalada e Portugal deixe de ser referido como a seleção ioiô. Há tanto talento, ambição e paixão contidos neste grupo. Obviamente, para esta conquista, não há como negar a importância da visão de quem tudo fez – Augusto Pinto – para trazer uma equipa técnica de elite, que cumpriu e excedeu todas as expectativas relativamente à qualidade do seu trabalho.

Meus caros, foi um prazer. Que bom seria superar o melhor resultado de sempre de Portugal (7º na divisão B em 2008), em casa, no próximo ano, e fazer parte de mais um momento transformador na forma de se olhar o BCR em Portugal.

1…2…3… Poooor! PORTUGAL!

Pedro Bártolo